Chegamos ao fim de mais um Campeonato Brasileiro de pontos corridos, a sedimentação deste formato nos trouxe mais um ano extremamente competitivo em ambas extremidades da tabela de classificação e também coroou o clube que obteve a melhor performance ao longo desta competição, o Cruzeiro. Após 11 anos do estabelecimento desta fórmula de disputa, já não há mais dúvidas de que as equipes com melhor planejamento são as mais beneficiadas ao final da temporada. Desde 2003 nossos clubes têm sido incentivados a se organizar e a pensar futebol de uma forma mais estruturada do que anteriormente.
Entretanto, ao longo destes últimos campeonatos de pontos corridos pudemos ver o quão a volátil são os projetos futebolísticos em nosso país, temos vários exemplos de clubes que brigam pelo título da competição em um ano e lutam contra o rebaixamento na temporada consecutiva. Em um formato de disputa que recompensa os melhores projetos de futebol, é curioso que clubes com grandes torcidas não transformem seu potencial financeiro em um importante diferencial competitivo durante temporadas seguidas. A falta de um ambiente profissional que proporcione a estruturação de projetos a longo prazo tem facilitado a elevada variação de concorrentes ao titulo do Campeonato Brasileiro nestes últimos anos. Parte da competitividade de nosso principal torneio provém, infelizmente, da falta de clubes com propósitos definidos.
Hoje em dia, o modelo de gestão adotado pela maioria dos times de futebol no Brasil é baseado na busca pela conquista esportiva imediata, onde dificilmente são realizados investimentos que visam o crescimento sustentável e a evolução estrutural e institucional destas organizações. A procura pelo sucesso instantâneo ou pela vitória a qualquer preço se inicia com a eleição de projetos capitaneados por torcedores que não obtém a real compreensão da complexidade da indústria futebolística. Em um esporte formatado por dogmas, crenças e credos, até os mais sofisticados empresários, advogados e economistas podem ter sua visão corrompida por uma cultura amadora e viciada.
A ausência de um projeto profissional, que adote uma filosofia de trabalho com conceitos determinados pela identidade histórica da organização, faz com que clubes fiquem desprotegidos e desnorteados. Dentro deste contexto, gestores adotam a prática da transferência de responsabilidade para se eximir de qualquer insucesso desportivo, não é por acaso que a remuneração de alguns treinadores brasileiros seja tão desconexa com a realidade mundial. Atualmente, vivemos em um sistema que está habituado a personificar a vitória e a derrota de clubes que representam milhões de pessoas, o que é uma injustiça tremenda com a grandeza destas instituições.
O fato é que técnicos e jogadores são membros cruciais para o desenvolvimento de uma equipe vencedora, mas não podem obter uma importância maior do que as agremiações que representam. Uma das maiores falácias do futebol brasileiro é a contratação do atacante que resolve o jogo ou do treinador que ganha o título, como se o coletivo de atletas não tivesse importância e a estrutura e organização do clube não fossem crucial para as conquistas.
Não há dúvidas que a estagnação evolutiva do futebol brasileiro, dentro e fora de campo, é reflexo da falta de uma proposta de futuro consistente ao nosso esporte mais popular. Estamos em um período que se debate com mais profundidade a necessidade de bom senso, talvez este seja o momento de cada clube assumir a responsabilidade que lhe é de direito, para assim começar a projetar o futuro que merecem.
Pedro Martins
Gestor do Depto. de Inteligência do Futebol do Atlético Paranaense, MBA em Indústria do Futebol na Univ. de Liverpool